terça-feira, 24 de novembro de 2020

A verdade é que perto de você eu não sei quem sou

Desde o dia em que em tua vida plantei os pés

Esqueci da boa menina que escondia apenas o anel

Hoje amo-te oculta
Escondida digo que te amo
Quando rabisco um papel


Vanessa Dias


quarta-feira, 30 de setembro de 2020

 No chão de cimento queimado eu desenhei um sol

Para que do céu Santa Clara visse


E acabasse com a chuva do meu peito

coisa da minha meninice

risquei com giz e fervor para acabar com o temporal de tristeza

para secar meus olhos insones de medo do perigo que me visitava de madrugada

coisa que aprendi

chamar à todos os santos e rezar para o anjo da guarda

me sentia acolhida nos braços imaginários de seres que nunca vi

pois, quem eu conhecia eu não podia confiar

coisa da minha desproteção

mal nascida,

infanta já carregava uma ferida

coisa da vida

amordaçada pela juventude e falta de ouvidos

nunca fui capaz de dizer o que me doía  roubava minha inocência

e ninguém viu

coisa de negligência

no chão de cimento queimado desenhei uma estrela e acendi uma vela

para que o mal visse

coisa de quem está desesperado

roguei uma praga ou duas e chamei a morte

coisa de quem não tem o que perder pois tudo já foi tomado

e a vela apagou com um sopro do meu alívio

meu corpo repugnante cheio de marcas

carrega uma história triste e mágoas

pra sempre maculado

coisa de quem teve a infância desrespeitada.

Vanessa Dias 

domingo, 2 de agosto de 2020

Retrato de um cadáver

O cheiro de morte exalava
Como que as portas do inferno abrira
O sangue seco maculava
Marcava aquele lugar com uma maldição
Não havia nenhuma outra coisa que lhe viesse à mente
Aquilo um dia foi uma pessoa
Pútrido destino!
Anátema
Teria ela implorado?
Teria ela chorado?
Gritado ao ter o pescoço cortado?
Os vermes revestem a carne ora desejada
Agora é nada
Resto
Olhava o que sobrou do rosto e viu em seus olhos opacos o horror
Ali findou-se um mundo inteiro
Com todo o amor,
Toda dor

Vanessa Dias 

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Temporal

No início era chama
Era refúgio a minha cama
Entregávamos-nos à vontade que ainda clama
Devaneios de quem ama
Envolvidos numa trama

Depois era catarse
mesmo que eu negasse
Temia que acabasse
que você também me amasse
ainda que assim eu desejasse

E então veio o verbo no presente
um cavalo de troia entregue na lua crescente
o alfa e o ômega gravados a ferro quente em suas ancas nossas iniciais permanentemente

Tornou-se um amor adoecido
de nós, tinha morrido
de promessas desguarnecido
tornou-se um sentimento desmerecido

e apareceu o rancor
traguei amor
embebida de melancolia e amargor
eu te esperando com a janela aberta e temor
jazia com o peito sangrador

E segui hemorrágica e chorei
fiz inúmeras ofertas e lhe dei
num último suspiro supliquei
nas tuas mentiras me deitei

E você tirou a roupa e a máscara
e eu vi tua cara
o desenho que fazia de ti, ó criatura rara
num lapso se rasgara

E no fim vi o que sabia desde o começo
meu camafeu feito com foto e cabelo
no teu pescoço virou adereço
você ria por tê-lo

O tempo passa no infinitivo e deriva
da minha alma ferida
que lamenta comedida
me julgo errada e precipitada

E além, lamurio o peso de ser desprezada
e abro no peito uma fenda encarnada
meto as unhas na errônea tentativa de ter a dor aliviada
de escoar o oceano em que estou afogada

Vanessa Dias






terça-feira, 9 de junho de 2020

Clique!

Numa encruzilhada me vi
Assombrada pelas minhas escolhas
E pela sombra de minhas memorias
Como que fosse uma cigana pronta para predizer meu destino
Tomou-me um fio de meus cabelos e o coseu na barra de sua saia
E girou como num círculo eterno de poeira e gargalhadas
Mirou meus olhos
E minhas mãos entre as suas tomou
Linhas e caminhos emaranhados numa bagunça espantosa
Sem um começo
Somente o fim é certo
E desperto manchada pelo batom vermelho
Sem saber o que ainda está por vir
Ali, numa roleta russa...
(Clique!)

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Esse gosto agridoce que permanece em meus lábios
Enche-me de dor e pranto
Aquele beijo quebrou o encanto
Das ilusões que eu tinha
Sobraram apenas as meias palavras perdidas no teu discurso medíocre
Ouvi dizer que fui outrora motivo da sua alegria
Equivocada empunhei minha espada sem ver pelo que lutava
Fui abatida
As ruínas que deixou
Me servem agora de abrigo
Me escondo e brinco com a minha própria desgraça
Está em mim o vazio
Me vejo louca
Rouca de brado algum
De tudo aquilo que eu deveria te dizer

Vanessa Dias 

sábado, 25 de abril de 2020

Crônica da Quarentena


Estou em um lugar no centro do Brasil, centro do poder e das atenções.
Tenções - Saio no quintal de casa e respiro fundo (não tão fundo assim) e olho o céu. 
Ontem foi o dia da Terra e lembro que seu nome também é Gaia e quando as coisas recebem nomes próprios, assim escritos com letra maiúscula, elas se humanizam. Tomam aparência de gente.
Penso em como Gaia está se sentindo; pesada, cheia de sujeira e parasitas. Deve ser difícil.
Respiro e alongo a coluna. 
Ouvi a âncora do telejornal dizer que o mundo não será o mesmo depois da pandemia.
Segundo ela as relações vão mudar e também a forma de viver e, a visão de tudo será transformada.
Assenti com a cabeça. A quarentena e o isolamento estão nos obrigando a ficar com nós mesmos. 
Logo nós, cheios de dúvidas e quereres, tão complexos.
Ensinados a enfrentar o mundo e não sabemos lidar com quem somos. Estamos agora obrigados a passar muito tempo conosco.
Daí começo a questionar se eu sou quem sou ou se finjo ser outra pessoa. Se for assim essa outra eu que lide com os problemas e os boletos que não param de chegar.
Acho que diminuí um pouco desde o início da quarentena. Me sinto impotente e acuada. 
Minha gata esfrega-se na minha perna me pedindo comida.
Coloco as roupas na máquina e me perco novamente em pensamentos conclusivos frutos do meu tédio. Quase meio dia.
Preciso desacelerar. Conto quanto tempo a lavadora vai levar pra bater a roupa, quero dormir um pouco.
Isso! Vou inverter a ordem das coisas, primeiro durmo depois almoço e estendo as roupas.
Não. É melhor comer primeiro e depois fazer a "siesta".
A água já está fervendo. Carne ou galinha caipira? Camarão não! Credo depois fico arrotando isso o dia todo.
Ok. Carne então. O cheiro do macarrão instantâneo se espalha e volto a pensar nas tais mudanças.
Será que as pessoas que vivem à margem da sociedade deixarão de ser invisíveis?
As grandes fortunas serão taxadas?
Quantos vão morrer? Quando vai acabar? Será que eu vou pegar o vírus?
Calma! 
Como o macarrão sem obter respostas. 
Decido que não vou mais dormir, não posso ficar inerte!
Não vou me calar! 
Então escrevo um "textão" para postar na rede social e cito George Orwell. 
Isso! Perfeito agora vão ter que se unir a mim e fazer alguma coisa também!
Meia hora se passa e tenho uma "curtida"
É. Não deu certo. Meus argumentos irrefutáveis foram ignorados. Mas, nos dias de hoje tudo é questionável. Que realidade é essa?
Subestimamos tudo na tentativa de parecermos poderosos e invulneráveis. Aposto que o cara que primeiro viu o vesúvio disse que era só uma fumacinha. E lá se foi Pompéia!
Pronto. Agora estou com mais dúvidas. 
A máquina parou. Estendo as roupas e penso que o melhor mesmo é dormir.
Vou para o quarto e a minha gata já está esticada na cama. Observo a tranquilidade de seu sono e como seus bigodes de movem de vez em quando e concluo; talvez Gaia também queira apenas dormir.

Vanessa Dias

domingo, 5 de abril de 2020

Rasguei todas as cartas que lhe escrevi
Perduravam em suas linhas meu sofrimento
Gravado em cada letra o amargor de ter te amado
Fiz de suas cinzas um pedido de liberdade soprando aos ventos do Norte
Vazia minha alma ainda sentia
Implorando pela morte
Num leito eterno
Meu coração inquieto
Murmuraria ainda
"Foi falta de sorte"

Vanessa Dias

domingo, 1 de março de 2020

Comigo


Eu e eu mesma.
Cansada e em silêncio grito
Faço promessas que não consigo manter
Me maltrato dia após dia
Eu e eu mesma
Sou minha pior companhia
Um inimigo que julga e cobra
Conta e reconta as dores minhas
Eu não me deixo esquecer da vida vazia
Cansada e velha demais para as traquinagens de menina
Enterrei em mim a esperança de um dia
Ter o coração reanimado e capaz de amar
Nessa existência não encontrei lugar
Eu e eu mesma
Me pertenço
Me suporto

Vanessa Dias 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Em verdade digo que o meu cansaço vem do ventre
Vivo por consequência
Suporto minha existência

Vanessa Dias
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