sábado, 25 de abril de 2020

Crônica da Quarentena


Estou em um lugar no centro do Brasil, centro do poder e das atenções.
Tenções - Saio no quintal de casa e respiro fundo (não tão fundo assim) e olho o céu. 
Ontem foi o dia da Terra e lembro que seu nome também é Gaia e quando as coisas recebem nomes próprios, assim escritos com letra maiúscula, elas se humanizam. Tomam aparência de gente.
Penso em como Gaia está se sentindo; pesada, cheia de sujeira e parasitas. Deve ser difícil.
Respiro e alongo a coluna. 
Ouvi a âncora do telejornal dizer que o mundo não será o mesmo depois da pandemia.
Segundo ela as relações vão mudar e também a forma de viver e, a visão de tudo será transformada.
Assenti com a cabeça. A quarentena e o isolamento estão nos obrigando a ficar com nós mesmos. 
Logo nós, cheios de dúvidas e quereres, tão complexos.
Ensinados a enfrentar o mundo e não sabemos lidar com quem somos. Estamos agora obrigados a passar muito tempo conosco.
Daí começo a questionar se eu sou quem sou ou se finjo ser outra pessoa. Se for assim essa outra eu que lide com os problemas e os boletos que não param de chegar.
Acho que diminuí um pouco desde o início da quarentena. Me sinto impotente e acuada. 
Minha gata esfrega-se na minha perna me pedindo comida.
Coloco as roupas na máquina e me perco novamente em pensamentos conclusivos frutos do meu tédio. Quase meio dia.
Preciso desacelerar. Conto quanto tempo a lavadora vai levar pra bater a roupa, quero dormir um pouco.
Isso! Vou inverter a ordem das coisas, primeiro durmo depois almoço e estendo as roupas.
Não. É melhor comer primeiro e depois fazer a "siesta".
A água já está fervendo. Carne ou galinha caipira? Camarão não! Credo depois fico arrotando isso o dia todo.
Ok. Carne então. O cheiro do macarrão instantâneo se espalha e volto a pensar nas tais mudanças.
Será que as pessoas que vivem à margem da sociedade deixarão de ser invisíveis?
As grandes fortunas serão taxadas?
Quantos vão morrer? Quando vai acabar? Será que eu vou pegar o vírus?
Calma! 
Como o macarrão sem obter respostas. 
Decido que não vou mais dormir, não posso ficar inerte!
Não vou me calar! 
Então escrevo um "textão" para postar na rede social e cito George Orwell. 
Isso! Perfeito agora vão ter que se unir a mim e fazer alguma coisa também!
Meia hora se passa e tenho uma "curtida"
É. Não deu certo. Meus argumentos irrefutáveis foram ignorados. Mas, nos dias de hoje tudo é questionável. Que realidade é essa?
Subestimamos tudo na tentativa de parecermos poderosos e invulneráveis. Aposto que o cara que primeiro viu o vesúvio disse que era só uma fumacinha. E lá se foi Pompéia!
Pronto. Agora estou com mais dúvidas. 
A máquina parou. Estendo as roupas e penso que o melhor mesmo é dormir.
Vou para o quarto e a minha gata já está esticada na cama. Observo a tranquilidade de seu sono e como seus bigodes de movem de vez em quando e concluo; talvez Gaia também queira apenas dormir.

Vanessa Dias
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